sexta-feira, 19 de novembro de 2021

[43] Liberdade, bandeira de todas as cores

Pode ser que mexa num vespeiro, se não for coisa pior, mas não resisto, neste Dia da Bandeira, a umas divagações sobre ela, sempre dada a polêmicas no que representa variados anseios nacionais, exemplificados nesta minha foto.

Liberdade é bandeira - Vila Autódromo, Rio, 2015 - Foto: Guina Araújo Ramos

 
Parto, então, dos fatos sobre a bandeira brasileira contidos nesta matéria da BBC News/Brasil, que fala das origens e da evolução do modelo atual, inspirado na bandeira da Independência.
Diz que há certa “casualidade” (ou causalidade?) na escolha das cores, uma decisão repentina de Pedro I às margens do Ipiranga: o verde seria alusão à Casa de Bragança, o amarelo à Casa de Habsburgo.
Lembra que o Brasil teve, do dia 15 até o decreto de 19 de Novembro de 1889, uma bandeira “americanófila”, réplica da bandeira dos EUA com faixas verdes e amarelas (em vez de vermelhas e brancas), proposta do jurista Ruy Barbosa, e que o próprio marechal Deodoro da Fonseca decidiu manter a geometria da bandeira imperial.
E relembra que a República conservou as cores, mas desenvolveu progressivamente a “alteração” do seu significado: "A explicação do verde das matas e do amarelo do ouro foi construída depois. Foi uma maneira tardia de a República tentar modificar o simbolismo original da bandeira, associado à monarquia" (explica o historiador Paulo Rezzutti).
Ora, se ainda estamos numa República e se as riquezas são o tema da bandeira, então há uma grande ironia neste Brasil em que vivemos: todas estas riquezas, que a bandeira verde-amarela-azul-e-branca supostamente simboliza, estão sendo dilapidadas, ou vendidas a preço vil, ou contrabandeadas descaradamente, ou praticamente entregues de mão beijada aos países e às empresas estrangeiros.
E falam tanto, em arrotos supostamente patrióticos, que a bandeira brasileira jamais deveria ser vermelha... Considerem: se é para continuar vendendo a pátria, se é para seguir o padrão entreguista vigente (que tem sido radicalizado), poderíamos fazer da bandeira um símbolo absolutamente radical deste processo. Talvez, uma paleta de todas as cores, lembrando todas as riquezas exploradas e retiradas do Brasil...
Então, que se comece pelo vermelho (homenageando o pau-brasil, que deu, inclusive, nome ao país) e que se vá até o preto (um registro evidente da mais recente e valiosa riqueza do Brasil entregue ao mundo, o petróleo do pré-sal). E entre estas, se coubessem, todas as cores!
São tantas riquezas (e tantas cores) que talvez seja preciso sintetizar em, digamos, duas, as básicas (e extremas), a vermelha e a preta: do pau-brasil ao pré-sal, o Brasil!...
Buscando ser presciente e mais abrangente, talvez um restinho do que sobrar do verde da Amazônia possa ocupar um cantinho desta bandeira-mais-que-sincera do Brasil...
Outras possibilidades, sob outros motes, sempre há...
Nossa pátria diversidade humana, por exemplo, logo sugere uma bandeira vermelha-branca-preta-amarela, nessa ordem, em razoável cronologia histórica. Só não sei se caberia, que evitaria divergências, uma distribuição proporcional às populações das cores no espaço da bandeira.

Deu bandeira: perdas e fracassos. - Brasil, 2021 - Foto: Guina Araújo Ramos

E o que mais há, nestes tempos questionáveis, são versões críticas, e até criei a minha, sofridamente, sob os ventos dolorosos das notícias... 
Afinal, a angústia que acomete o Brasil tem resultado numa profusão de "bandeiras-manifesto", até porque a nossa, na versão atual, é das poucas bandeiras nacionais com espaço para palavras de ordem, motes ou bordões: é praticamente uma bandeira literária!...
Em suma (embora seja um assunto que não acaba...), se a liberdade é bandeira de todas as cores, então, reconheçamos, o povo deve ter, assumindo, toda a liberdade de escolher as cores (e também a forma) da sua bandeira. 
Ou seja (e isto sim é definitivo), podemos crer: outras bandeiras brasileiras virão...
 
[Texto original de 19/11/2018 no Facebook,atualizado, editado e publicado aqui em 19/11/2021. Atualizado em 29/05/2022.] 
Da série Eventos Insólitos 

domingo, 8 de agosto de 2021

[42] Bandeiroso Pão de Açúcar

Pão de Açúcar bandeiroso - Guina Araújo Ramos, 2000

Da imensa quantidade de lugares do território brasileiro onde seria honroso estampar a nossa bandeira, um dos mais significativos pode ser este, o Pão de Açúcar. Mas, naturalmente, em respeito à questão ambiental, o melhor é que se faça apenas uma projeção, e por pouco tempo.

É justamente o caso, e descrevo as circunstâncias, até porque, ao que me consta, é fato único, não creio que tenha ocorrido alguma outra vez. Pode-se pensar que fazia parte de um evento cívico-patriótico, de alguma solenidade de cunho nacionalista ou, quiçá, o ápice de uma cerimônia de louvação ufanista!

Nada disso... Representa, muito ao contrário, o apoteótico final de uma longa sessão de projeção de imagens no paredão norte do Pão de Açúcar, acontecida no distante ano de 2000, promoção de uma empresa estadunidense, creio que pertencente ao grupo Disney. O equipamento foi instalado numa torre instalada nas areias da Praia do Flamengo, de onde, graças a um poderoso zoom, enviou, durante mais de uma hora, as imagens de toda uma série de personagens dos seus filmes, e textos relacionados.

Lá estava eu, acompanhando crianças, e até fiz, sem maiores pretensões, algumas fotos. Um tanto entediados, voltamos mais cedo para casa e, já na praia de Botafogo, indo pelo Aterro do Flamengo, dei uma olhada para o Pão de Açúcar e me espantei: nele, a bandeira brasileira!

Imediatamente, busquei um retorno: precisava de um ângulo mais frontal. Entrei pelas pistas internas porque precisava parar o carro em algum lugar, o que não é possível nas do Aterro. Corria contra o tempo, a projeção podia acabar a qualquer momento... Custei a conseguir um lugar em que as árvores não interferissem, e isto só foi possível na curva do Morro da Viúva. Parei o carro sobre a calçada, peguei o tripé no carro, montei sobre o gramado. Não pude evitar a inclusão da parte de cima dos arbustos e até do risco da luz vermelha de um ônibus que passava. Fiz umas três fotos, e aí a imagem sumiu!...

A bandeira era nossa, o Pão de Açúcar também, mas o equipamento (e o negócio de que fazia parte) não... 

Da série Locais Distintos

quarta-feira, 28 de julho de 2021

[41] A difícil postura olímpica

 




Até que ponto manter uma "postura olímpica" aquece 

(e salva da morte) um ser humano?

 

Da série "Brasil na Miséria" - 34  

Paraíso, São Paulo, 07/2021.

Em meados deste julho de 2021, apesar da pandemia, saí do Rio e passei uns dias em São Paulo. No Paraíso, bairro de velhos casarões confortáveis de famílias de classe média alta, agora invadido por prédios modernosos, observando da varanda prédios e frestas, reparei num pano amarelo na calçada ao longe. 

Para fotografar, uma câmera Cyber-shot da Sony. Pequena a ponto de caber em uma mão, mas com poderoso zoom de 30x (fotos feitas da altura de uns 15 andares, em ângulo de 45 graus) e com definição de 20,4 megapixels no registro da imagem.


Era o lar de um homem, que acompanhei por três dias nessa temporada paulistana. O que mais vi foi a sua dignidade de morador de rua, em geral solitário, às vezes recebendo amigos, sempre com elegância e até, acho, bom humor. E era apenas um “detalhe”, diante dos tantos que vi na miséria das ruas e das praças enquanto dirigia pela cidade (e portanto não pude fotografar, mas todos sabem que há).

Neste momento em que, garantem, a frente fria mais gelada do século atinge São Paulo, me pergunto: como estará este meu vizinho casual?... 

Ou, expressando melhor a aflição, como será que este circunstancial ex-vizinho sobreviverá ao passar cortante do frio?... 


Independente do frio, a situação dos moradores de rua em São Paulo é periclitante: neste ano, já morreram 13.  

E nos últimos 4 anos houve um aumento de 53% na população que vive nas ruas da cidade.

 Talvez, em emergência, aceite ir para um abrigo improvisado da prefeitura. Mas, sinceramente, temo que o seu orgulho seja suficiente para que decida ficar, apesar do risco de morrer de frio.

Estamos em plena temporada olímpica pandêmica... Será que este lutador (porque atleta ele não é...), um representante do Brasil na Miséria, então cercado pela riqueza internacional, terá a “postura olímpica” de resistir, e ficar neste local em que “construiu” o seu lar?