quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

[72] A estrela no esgoto

Na confusão do cosmos, entre cometas faceiros, planetas sisudos e asteroides debiloides, eis que um dia uma estrela resolveu se movimentar e, entre o tamanho real a bilhões de anos-luz além e o tamanho pontual que os terrestres têm, adotou meramente uma forma bem contida, porém elegante, e, impaciente, debicou no rumo terrestre, atmosfera a dentro.
Querendo ser discreta no vórtice da descida, mas meio confusa diante das tantas formas grotescas que via, escolheu muito mal como alvo para o pouso uma linha de brilho que não sabia ser de reflexos de água.
Caiu no que diziam ser um rio domado, mas não passava de um veio de esgoto. Durou pouco seu novo posto no infinito universo, acabou a pose quando veio a chuva. Com ela, a sujeira do desinteresse humano pelo planeta e a enxurrada de lixo, e assim o desleixo levou a estrela, toda torta, para o fundo do final dos tempos.
 
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Leito do Rio (?) Icaraí (continuação do Rio Cubango), entre as ruas Mariz e Barros e 5 de Julho, Icaraí - 20/12/2024

[71] Eu bem te via...

 

O bem-te-vi, ave!, bem que deve ter visto alguma coisa de que estaria a fim.
Ou, talvez porque nada via, tentou enganar quem dele se escondia, a bem-te-via.
Cantou seu canto sofrido por longos minutos, esticado na ponta do pára-raios.
Nada: a tempestade tomou outro rumo e a bem-te-via também.
Só sei que, de quando em vez, ele ou ela aparecem e cantam (ou tentam) mais uma vez o encontro: "bem-te-vi"!... (Ou "bem-te-via"!...)
É assim que o amor passarinha e pára, raios!
Afinal, parece que aparece: o amor nasce assim.
O amor é um canto lançado ao vazio, que bem que vê a certeza do encontro.