sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

[60] A sobremesa engraçadinha

A sobremesa engraçadinha - Foto: Guina Araújo Ramos, Niterói, 2024

Publiquei de imediato no Facebook, para fazer blague com um velho amigo, que, entre outras demonstrações de criatividade, vive enxergando o que chamou de “seres”. (Como definir estes “seres”?... Talvez, “composições de elementos que parecem formar um rosto humano, ou algo que se possa enxergar como tal”, se me permitem a pretensão “acadêmica”.)
Só sei que a minha percepção de estar diante de um desses “seres” foi imediata, como bem registrei na postagem: “Conversando, no que terminava a sobremesa, olhei para a mão e... fotografei!”. E, também de imediato, citei o maior documentarista destes “seres” (temos que inventar outro nome para eles!...), o tal velho amigo: “Não sei porquê (ou sei?) me lembrei de você, JOrge Mendes!...”
É um artista do improviso! Mas, sempre com um toque pessoal. Aliás, como são todos os grandes mestres da Fotografia, e meu conhecimento do tema garante o que digo. Além de registrar a toda hora estas figuras por aí (ou por lá), Mendes também publica sensacionais séries de “fotos (e/ou vídeos) de rua” (este padrão altamente tradicional na Fotografia) de seus bordejos internacionais, Bélgica, Portugal e até, de vez em quando, uma voltinha ao Brasil.
Achei que merecia a citação, mas podia não gostar... Para minha alegria, respondeu animado: “Ser lembrado é muito bom, amigo... assim como deve ter sido boa a sobremesa ...esses ‘seres’ estão ocultos em todos os lugares ...é só darmos vida à nossa imaginação ....até porque a realidade nos violenta a cada dia...”
Tem toda razão!... Digo, deve ter, que ele entende dessas entidades muito mais do que eu... Meio inexperiente no ramo, prefiro ser razoavelmente realista: tratei de desmistificar um pouco, até porque sabia o gosto deste específico “ser”... E, respondendo ao seu vibrante comentário, descrevi parte da obra: “Damasco duas vezes mordido e bolinhas de chocolate...”.
Sim, parte da obra... Ficou faltando anotar o que tanto pode ser visto como fundo da peça ou como uma espécie de moldura: a palma da minha mão esquerda. Que, sendo esquerda, como se confere pelo apetrecho anular, facilitou a parte mais difícil do registro da obra: sacar o celular (desmistificando: estava em cima da mesa) e, cm a direita, bater uma foto!
Mas, foi bem depois, agora há pouco, antes de iniciar este texto cheio de “Ctrl C + Ctrl V”, que capturei a essência da coisa!... Ora, o que é isto tudo (a sobremesa na mão, a foto para eternizar, até o texto para engambelar) se não mais um caso, para meu prazer e orgulho, de “Arte Casual”?
Daí, republico a foto, com toda esta (talvez enfadonha) explicação e levo o conjunto da obra para este meu apropriado blog, o FotoLíteroGrafia. Ao menos por enquanto, até que eu acumule “artes casuais” bastantes e crie para elas uma particular galeria virtual, ou seja, mais um blog...
Série Artes Casuais, # 3

domingo, 21 de janeiro de 2024

[59] A tirania das tiras (de sandálias)

 

A tirania das tiras (de sandálias) - Foto: Guina Araújo Ramos, Niterói, 2024

Não sei bem quais as forças físicas (ou fisiológicas?...) que foram me levando, de tropeção em tropicão, a um estado de rompimento (quase) generalizado das tiras das minhas sandálias de dedo tipo “havaianas” (inspiradas, acabo de descobrir, numa “sandália de dedo japonesa chamada Zori”, assume o fabricante). Sei que dois pares, um branco, outro vermelho, foram encostados por arrebentamento de tiras, curiosamente ambas do pé (de sandália) esquerdo, o que talvez tenha até alguma conotação política...
Aí começa a “arte casual”... Desesperado (e descalço), pedi à companheira e filha, que saíam em expedição de compras, a aquisição de um novo par. Cientes das minhas preferências clubísticas, trouxeram um modelo rubro-negro, o que apreciei... Não gostei da escandalosa marca da empresa na palmilha e nas tiras, mas, sendo de uso caseiro, relevei.
Em uns meses, desgastei os extremos da superfície dos pés (das sandálias), o que é normal, já me acontecera com anteriores, talvez parte da “obsolescência programada” do produto. Até que, colaborando com o processo de desgaste, tropiquei mais uma vez e rebentei a tira do pé (de sandália) direito.
Casualmente, estava perto de uma feira de rua, onde trabalhava um vendedor de tiras (de sandália), coisa rara hoje em dia. À falta de pretas, comprei um par de vermelhas, que o feirante imediatamente aplicou ao pé (de sandália) avariado. E deu a dica: user água com detergente ao introduzir a tira no buraco (no bom sentido, de cima pra baixo).
Em casa, aproveitei a tira do pé (de sandália) direito para recompor um dos pares, o branco, que foi o que achei na hora... Sinceramente, no caso, no particular, confesso: eu tendo mais para o funcional (e útil) do que para o estético, que nem sei no que pode resultar...
Tempos depois, reencontrada a sandália vermelha, volto ao fornecedor de tiras, mas ele, no tamanho 42, desta vez só tinha tiras prateadas!... (Ora, que me importa?...) Estava composta, expressa na foto, a primeira versão desta obra de Arte Casual!...
E ainda me sobraram, que comprei reserva, uma tira esquerda e duas tiras direitas, todas prateadas... Ah, se pudesse, comprava um par de solados sem tiras (de qualquer cor) e fazia nova versão da obra de arte.
Que eu, com a humildade dos que usam sandálias, sou obrigado a admitir: é múltipla e variada. Sim, tanto pode ser tida como um conjunto, com várias arrumações para as fotos, como uma sucessão de peças fragmentadas, par por par, pé por pé, tira por tira...
 
  Série Artes Casuais, # 2

[58] O desenho no vidro da mesa

O desenho no vidro da mesa - Foto: Guina Araújo Ramos, Niterói, 2023

Longe de mim meter-me a filosofar sobre arte!... (Aliás, a filosofar sobre qualquer coisa...). Posso até recuperar alguns clichês, e escolheria, no caso, o de que a arte precisa necessariamente quebrar paradigmas, os seus próprios e até os demais, em sua incansável faina de criar novas interpretações para as coisas deste mundo, e até de outros.
Respeito profundamente as vocações, os artistas que, em si mesmo, descobriram meios surpreendentes de exprimir a sua arte. Ou, pensando bem, vice-versa: reconheceram qual arte exprimia o que estava, potencialmente, em si.
Existe também a arte casual e, se existe, também admiro. Não, talvez, pelo artista, mas certamente pelo produto. Se é uma arte que realmente cause impacto, muito bom que faça do artista seu veículo casual.
Assim, surgiram estes traços sobre o vidro, a leveza de suaves curvas, encontro e abertura em sinuosa cornucópia bidimensional. Na verdade, riscos e cortes no vidro. E tudo por acaso... Buscando ângulo ideal para uma foto, sentei na beirada da mesa de centro da sala. E levei um susto com o grito desesperado do vidro ao se partir. 
 
O problema agora é expor a obra: não me atrevo a tocar... Abaixo dela, a folha de cortiça queimada pelo sol da janela até que sustenta bem o desenho. A mesa poderia ser mantida como moldura, mas como mudar a peça inteira de lugar? Dando um banho de cola transparente, que invada as ranhuras? Retirando com cuidado e remontando?... O tempo dirá. Sempre tenho fé, ainda que em geral não resulte, de que tudo se resolverá!

E tem outro lado bom... O que me deixa mais feliz, a mim que tantas coisas quebro à toa (tampo de vidro de fogão, fechando-o sobre a boca de gás acesa; tampo de mármore ao me apoiar na ponta sem base; manopla de torneira elegante; copos e mais copos etc.), é que até quem reclama e critica (e eu compreendo...) desta vez gostou da arte!
É o tipo de arte que minha mãe gostaria que eu fizesse, talvez, quando lamentava, com algum humor, que eu era muito arteiro...
Série Artes Casuais, # 1